Foto: Caroline Charruyer
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Vamos entrar num assunto que gera discussão. Sempre gerou. Mudou opiniões ao longo do tempo e voltou com força após declarações polêmicas e goleadas na Copa do Mundo Feminina de futebol. São os 2m44 por 7m32 mais discutidos. O tamanho do gol, na imensidão das medidas do campo de futebol, das 22 jogadoras em campo e das táticas envolvidas voltou a ser o centro das atenções.
No dia que o Brasil estreou, 13 de junho, uma declaração levou os holofotes para uma das discussões mais sexistas – dentre tantas outras – do futebol. Emma Hayes, técnica do Chelsea Women afirmou ao The Times que “não é sexista pedir campos e gols menores para as mulheres. Há uma razão óbvia do porquê as mulheres jogarem nessas medidas. Foi o que nos foi dado. E talvez ninguém tenha pensado em questionar se faz sentido”.
Hope Solo, lendária goleira norte-americana, se manifestou via Twitter a respeito da fala controversa de Hayes. “Se houvesse realmente um problema com as mulheres cuidando do gol, poderíamos falar sobre isso. O que é sexista é supor que as mulheres precisam de concessões. Colocar uma desvantagem no jogo das mulheres deprecia as conquistas de todos que trabalharam tanto durante anos”. Hope explica que sim, o ser humano independente de seu gênero é adaptável e que os treinamentos para goleiros precisam ser mais explorados. Além disso, Hope considera que as comissões técnicas não exigem mais excelência e não oferecem qualidade nos treinos específicos.
O protagonismo entre as traves na Copa
Coincidência ou não, nunca se falou tanto sobre goleiras como nesta edição. Das mais altas às mais baixinhas, elas ganharam destaque até mesmo nas premiações de “Jogadoras da Partida”. Peng Shimeng (China), Christiane Endler (Chile) e Vanina Correa (Argentina) foram eleitas as melhores atletas de suas equipes em eleição aberta ao público.
Peng, que muitos têm chamado de “A muralha da China”, se destacou na partida contra a Espanha. Em sua primeira grande competição mundial e aos 21 anos, a goleira segurou o ataque espanhol, que chutou 9 vezes com perigo ao gol – fora as outras 15 tentativas que passaram próximas a ela. O feito garantiu o empate em 0x0 e a classificação chinesa para a fase seguinte. Peng, um poço de tranquilidade, consolou até mesmo seu técnico, Jia Xiuquan, que saiu chorando da partida por conta do estresse.
Para outra goleira, o cenário foi completamente diferente. Capitã e destaque do time chileno, Christiane Endler levou três gols em uma mesma partida – sendo 9 chutes a gol e 14 que passaram perto da meta. Mesmo assim foi eleita a melhor do jogo! Isso devido à boa fase que a goleira vive nessa competição e também em sua equipe, o Paris Saint-Germain. Endler, após a partida, afirmou que, mesmo sem muito apoio ao futebol feminino no país, quer encorajar as meninas a seguirem seus sonhos e buscarem mudanças assim como ela, aos 27 anos de idade, está fazendo. Já no banco de reservas, Ryann Torrero é um exemplo de superação. Em 2016 sofreu um grave acidente de carro, que deixou sua carreira no futebol parada até ser contratada pelo Chicago Red Stars e voltar à seleção chilena – mesmo sendo criada nos Estados Unidos desde pequena.
Apesar das defesas incríveis, a goleira argentina Vanina Correa não conseguiu evitar a derrota por 1×0 contra a Inglaterra. Mas isso não impediu a líder da seleção argentina de levar a premiação de melhor jogadora, assim como a chilena Endler. Aos 35 anos e dividindo os campos de futebol com o cargo de operadora de caixa, Correa mostrou que está voando em campo no jogo contra as inglesas, que chutaram 7 vezes com perigo no gol.
Correa acompanhou do banco de reservas o esquadrão argentino na Copa de 2003 e já na edição seguinte, em 2007, era a goleira titular – e sim, era ela que estava no gol na histórica goleada por 11×0 contra a Alemanha. Mas teve o sonho de chegar à sua terceira Copa consecutiva arruinado com a não classificação da Argentina. Com isso, La Flaca (como é conhecida), percebeu que era hora de pendurar as chuteiras em 2012 para ter um filho. Dois, no caso: os gêmeos Luna e Romeo. Cinco anos depois, Vanina batia bola com algumas amigas quando Carlos Borrello cruzou seu caminho. O técnico da seleção argentina nem teve dúvidas e chamou-a para fazer parte do time que pode fazer história na Copa de 2019.
Os pênaltis e suas polêmicas
Sydney Schneider tem apenas 19 anos e pode dizer que levou a Jamaica nas costas. Desde o Campeonato da Concacaf, torneio que levou o país caribenho para a sua primeira Copa do Mundo, a goleira – que é nascida nos Estados Unidos e é neta de jamaicanos – é só elogios. E, mesmo nas derrotas, Schneider se destacou: defendeu um pênalti contra o Brasil, cobrado por Andressa Alves; e ainda pegou a cobrança de Girelli contra a Itália, mas o VAR, que confirmou o pênalti, também fez a cobrança ser repetida pela italiana, que não deu chances para a goleira jamaicana.
A goleira nigeriana Chiamaka Nnadozie sabia que, ao estar no grupo de França e Noruega, teria uma vida difícil. Ainda mais reencontrando as francesas, que em 2018 aplicaram uma goleada de 8×0 nas nigerianas em uma partida amistosa. Para o site da FIFA, Nnadozie afirmou que no confronto com as Le Bleues na Copa não seria assim.
Promessa que foi cumprida. Com uma atuação épica da goleira nigeriana contra uma França que vinha de duas vitórias. O jogo de ataque contra defesa fez a goleira da Nigéria trabalhar demais. Muito! O placar se manteve zerado até um pênalti ser marcado a favor da França aos 30 minutos do segundo tempo. Renard, craque francesa, acertou a trave. Nnadozie estava na bola e o VAR… Ah, o VAR fez a cobrança ser repetida e Renard não desperdiçou – apesar da invasão da área por jogadoras da França. No final, o tão esperado clean sheet de Chiamaka não veio nessa partida, mas ela pode ter certeza que sua atuação valeu mais que qualquer resultado!
Ainda sobre a polêmica de Hayes
Sobre a diminuição do tamanho do campo, a treinadora argumenta que isto aumentaria a velocidade e intensidade do jogo, dando “ênfase à qualidade técnica”. Temos – até o momento que essa reportagem foi escrita – 82 gols marcados, média de 2,9 gols por partida, incontáveis dribles, inúmeras faltas bem cobradas… dados que transformam o questionamento da técnica em algo totalmente superficial e sem sentido.
Pegando Brasil e Austrália, um dos melhores jogos da Copa até o momento, temos alguns dados bem interessantes em relação à técnica:
- Precisão em passes: 79% das australianas contra 75% das brasileiras
- Passes certos: 80% (395) das australianas contra 74% (285) das brasileiras
- Juntas, as duas equipes percorreram 211km
Esperamos que a técnica do Chelsea Women esteja assistindo todos os jogos dessa Copa e que tenha, pelo menos, consideração pelos pontos que Hope Solo fez sobre sua coluna. Nada melhor que bons exemplos ao vivo e uma dose de realidade. Muito além dos números, as atuações das atletas nessa Copa do Mundo estão atraindo cada vez mais público, conquistando cada vez mais o torcedor e mostrando que o amor ao futebol não cabe em nenhuma medida.
(Texto escrito com a colaboração de Dimayma Belloni e Kamilla Villareal)