Caso de Polícia: quando o futebol feminino foi parar nas páginas policiais - JogaMiga

Caso de Polícia: quando o futebol feminino foi parar nas páginas policiais

No último dia 14 de abril, o decreto-lei  nº 3.199, que proibia a prática de futebol feminino em todo território nacional, completou 80 anos. A liberação tem pouco mais de 40 anos, mas essas datas são mais simbólicas do que reais: antes de ser proibido, o futebol de mulheres já era caso de polícia. Depois da legalização e regulamentação, o jogo das mulheres batalhou anos para deixar de ser tabu – e ainda o é em alguns lugares. 

Para ajudar a contar um pouco dessa história, listamos 3 episódios em que o futebol de mulheres foi caso de polícia

1- Um escândalo no meio da rua

Nos idos dos anos 30 e início dos 40, jogar  futebol era algo cada vez mais comum em todo Brasil, tanto entre homens quanto entre mulheres. Mas o costume das “filhas de Eva” não era bem visto por todos. E mesmo antes da proibição em 1941, temos o registro de pelo menos uma prisão de jogadoras pelo que o policial chamou de “escândalo”. 

Foi em 20 de abril de 1940 que o Diário da Tarde de Minas Gerais noticiou a prisão das senhoras Arletina Martins e Enedina de Jesus, por jogarem futebol em uma rua de Belo Horizonte. 

Tudo começou quando um policial do bairro foi chamado por um cidadão que também ficou incomodado com a cena. O agente de segurança conseguiu prender as duas jogadoras e o senhor José Gomes, que seria técnico da equipe. Mas outra jogadora, Noemia, que era empregada doméstica, trancou-se na casa em que trabalhava e não saiu nem com ordem da polícia, nem com ordem dos patrões.

As subversivas ficaram eternizadas na página dos jornais, mas não se sabe se elas foram liberadas, se continuaram a jogar futebol ou se simplesmente amarraram as chuteiras.

2- Futebol Femino… acabou na cadeia

Outro caso emblemático foi o do Primavera AC, time feminino de Pilares, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. A equipe era comandada por Carlota Alves de Resende, uma senhorinha que em 1940 estava no alto de seus sessenta e muitos anos e era entusiasta do esporte feminino. 

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Treinadora e dirigente do clube, Carlota tinha influência no meio dos cartolas do futebol carioca e conseguiu trazer grande visibilidade para o futebol de mulheres. Ela, a convite de um empresário argentino, planejava uma grande excursão com o time em vários países da américa latina como Uruguai, Chile e Argentina.

Mas o plano da excursão, bastante comum com equipes masculinas, foi mal visto. Parte da imprensa acusou Carlota de explorar as pobres moças. Alguns até afirmavam que o time era fachada para um esquema de prostituição.

Após uma denúncia anônima, Carlota foi presa, mas liberada 48 horas depois, por falta de provas. Após esse episódio, o Primavera AC não teve muito tempo de atividade, já que dois meses depois veio então a proibição.

3- Proibido e bem jogado

Mesmo durante o período da proibição, as mulheres continuaram a jogar futebol Brasil afora e até houveram algumas iniciativas de formalização de equipes. Uma delas foi a do Araguari Atlético Clube, de Minas Gerais. 

Em 1958, para arrecadar fundos para uma escola no Triângulo Mineiro, a diretora Isolina França quis organizar um jogo beneficente. Pediu ajuda aos dirigentes do Araguari e Ney Montes, diretor do clube, teve a ideia de montar uma equipe feminina. Os dois foram em várias escolas da região procurando meninas que quisessem jogar. Foram mais de 40 candidatas na peneira, das quais 25 foram escolhidas para compor o time. A equipe deu certo e fez mais sucesso do que o esperado: além do jogo beneficente, elas excursionaram por cidades como Porto Alegre, Salvador e Goiânia. Assim como no caso do Primavera, o Araguari recebeu propostas para jogar também em outros países. 

Mas o time já vinha sofrendo com críticas tanto da imprensa quanto das alas mais conservadoras da cidade, que consideravam um escandalo as moças andarem de shorts curtos como os que se usava para jogar. No dia 13 de junho de 1959, Conselho Nacional de Desportos reafirmou a proibição e o time foi desmantelado. Na nota do Diário do Paraná, a experiência mineira é citada. O que sugere que elas tiveram influência na decisão da CND em reafirmar o decreto de 1941.

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+ A árbitra subversiva

Mesmo não sendo jogadora, outra mulher que rompeu barreiras no esporte, foi algumas vezes caso de polícia e vale ser mencionada é a árbitra Lea Campos. Ela foi a primeira árbitra a apitar uma partida oficial no Brasil e no mundo. Em 1967, Lea concluiu o curso de arbitragem da Federação Mineira, mas foi impedida de pegar seu diploma justamente pelo decreto-lei que proibia a participação de mulheres em esportes que vão “contra a natureza feminina”. 

Então Léa começou a travar uma batalha para conquistar seu sonho de ser juíza de futebol. Por isso, ela chegou a ser presa nada menos que 15 vezes e encaminhada ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para prestar depoimento. 

Mas a árbitra subversiva não desistiu. Em 1971 foi convidada pela FIFA para apitar um torneio de futebol feminino no México. Sem autorização da Comissão Brasileira de Desportos (CDB), Lea recorreu ao presidente da república, na época o militar Emílio Garrastazu Médici, para poder participar. Um dos filhos do presidente era fã da árbitra, que em sua juventude havia sido também Rainha do Exército, na época dos concursos de beleza. 

Esses episódios são fortes, mas só dão conta de um pequeno pedaço da grande história de mulheres que lutaram e ainda lutam pelo direito de jogar futebol. Temos 40 anos desde a liberação do futebol feminino. Mas a proibição ainda se manifesta de diversas formas, entre barreiras de preconceito e falta de estrutura. E sobre isso, ainda há muito o que falar.

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